domingo, 7 de junho de 2009

Reserva-se o direito de admissão

Juntamente com um grupo de amigos portugueses tive a oportunidade de conhecer ontem a discoteca Chilliout, na Ilha de Luanda: um lugar aprazível à beira mar em que a pista de dança termina próximo da areia e bem próximo às ondas do mar.

De freqüência heterogênea percebemos um grande número de estrangeiros (ou expatriados, como são chamados aqui), misturando-se ao povo local no ritmo dançante do Dg. Muita gente bonita! Perguntei-me onde se esconderiam estas pessoas no dia-a-dia.

Ao chegar na entrada da danceteria nos posicionamos no final da fila e fomos surpreendidos com o segurança nos chamando para entrar, não obstante todas as pessoas à nossa frente. Imaginei que meus colegas talvez tivessem um bilhete Vip, mas não era o caso. Percebi logo em seguida que a casa reserva o direito de admissão!

Não sei que critérios subjetivos ou econômicos são utilizados mas a verdade é que me senti um pouco constrangido até entender o que estava ocorrendo. Certamente não foram meus lindos olhos, nem tampouco minha aparência exuberante ...

O direito de admissão revela uma forte discriminação social, pois deixa à mercê de uns poucos a escolha de quem entra ou não, independente da casa estar cheia ou vazia. Pergunto-me se não seria menos ruim manter “apenas” a discriminação econômica; digo isto pois cobrar Kz 2.000 (cerca U$D 26) pelo ingresso já é uma forma de discriminar, pois aqui muitos sequer têm este valor para sua subsistência diária. Ouvi dizer que o salário mínimo local é de U$D 60!

“Reserva-se o direito de admissão”é uma maneira elegante de dizer “Nós somente aceitamos ricos e bonitos”, como não sou rico creio que fui categorizado como bonito que acrescento por conta própria “gostoso” (rs).

quinta-feira, 4 de junho de 2009

“O Malefício”

No funeral de um burocrata corrupto desfilam figuras que expressam um prazer sádico pela sorte do moribundo, um enterro desprovido de dor. À medida que se lê as mensagens registradas no Livro de Condolências, percebe-se o elevado nível de corrupção de caráter que impregnou a vida do morto: “Que a terra lhe seja mesmo pesada” escreve um dos supostos explorados.

Estas cenas fazem parte do primeiro ato da peça “O malefício” que estreou hoje (04.06) no Centro Cultural Português. Dirigida por Fernandes Jose, os atores da Cia de Teatro Dadaísmo deram um show de performance e deixaram a platéia atenta durante todo o espetáculo. Baseada em dois contos de Roderick Nehone, renomado autor angolano, a peça retrata as angustias e dissabores a que somos expostos no dia-a-dia.

No segundo ato é encenado o conto “O Malefício”, que dá nome à peça, e então os atores superam-se nos diálogos fortes e profundos que Roderick Nehone nos põe a refletir, com uma sagacidade de roteiro impressionante, que tem como pano de fundo o diálogo entre dois cientistas sobre um vírus para eliminar a humanidade, isto é, "a maioria silenciosa, que apenas acorda, come, fornica e se multiplica; essa maioria silenciosa que não inventa nada, apenas consome, não decide, só cumpre, não cogita, contempla e tal como rebanho são conduzidos cegamente para o pasto ou para o cadafalso". Diálogos com argumentos como estes discutem os prós e contras deste maléfico vírus e tornam a peça agradavelmente deliciosa.




Luanda tem surpresas culturais interessantes!

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O milagre do Candeal

A fim de começar a me envolver com os eventos culturais de Luanda fui assistir um filme documentário, como para do 11º Ciclo de Cinema Europeu, no Espaço Cultural da Embaixada de Portugal em Angola.



O filme documentário intitulado “O milagre do Candeal”, de Fernando Trueba, 2004, retrata o bairro do Candeal, em Salvador/BA, Brasil, utilizando-se como elemento narrativo a visita do famoso pianista cubano Bebo Valdês, exilado na Estocolmo há 40 anos. O filme demonstra como através da música é possível soerguer de forma cidadã a dignidade humana.



São vários os artistas baianos que dão entrevistas e, ao mesmo tempo, nos brindam cantando partes de suas músicas. Desde a comovente cena inicial, com Mateus Aleluia cantando na Igreja dos Homens Pretos no Pelourinho, depois Caetano Veloso , Gilberto Gil e Marisa Montes entre outros, sempre acompanhados por Carlinhos Brown, cujo nome já é sinônimo do Candeal. Foram cenas distintas, muitas delas tendo a Bahia de Todos os Santos como fundo e por vários momentos tive que conter as lágrimas, tamanho o encanto que as cenas causavam.



Um dos momentos marcantes do filme foi a cena em que Carlinhos Brown leva Valdês para conhecer a mãe-de-santo do Candeal. A seqüência é relativamente simples em que Carlinhos canta ao som do violão uma música ensinada pela matriarca enquanto ainda era criança e, numa mescla de língua africana, indígena e português, comenta sobre a natureza. Ao término, o cantor faz um efusivo discurso sobre a natureza do ser humano que, não obstante sua cor de pele, deve respeitar a natureza como uma dádiva e, neste momento a mãe-de-santo recebe uma entidade espiritual. O que me chocou foi, apesar de estar em solo africano, as pessoas na platéia (a maioria de origem européia) demonstrarem desrespeito a este momento sublime da película, muitos até mesmo rindo desdenhosamente da matriarca e os gestos característicos de sua religião. O respeito é uma virtude a ser cultivada!



No entanto, “O Milagre do Candeal “consiste em se transformar um bairro pobre, incrustado no meio de bairros ricos, num local digno em que seus moradores são capazes de se orgulhar em viver e atuam de forma cidadã no cumprimento de seus deveres e busca dos direitos.



Um filme belíssimo que vale a pena ser visto e protagonizado em tantos outros bairros em que o despertar para a cidadania resulta numa vida mais digna.



Parabéns Carlinhos Brown por ajudar o povo sofrido do Candeal a despertar para um mundo melhor!

domingo, 10 de maio de 2009

Gafes em Luanda ...

iMorar num país estrangeiro pode ser um cenário para gafes formidáveis, que dificilmente cometeríamos em nossa própria paróquia, como observarão a seguir.

Hoje, em pleno domingo, resolvemos andar pelas ruas adjacentes do bairro em que estamos alojados em Luanda com o objetivo de encontrar novas opções de alimentação, afinal comer sempre no mesmo lugar dá aquela sensação dejá vu.

Em nossa perambulação pela vizinhança encontramos um restaurante popular árabe que resolvemos experimentar, não obstante ser um pouco caro para a proposta (2000 kwz ou U$D 26), afinal já estou me acostumando com estes valores elevados praticados por aqui). Primeira indecisão foi nos pratos disponíveis no buffet (servido no autêntico estilo do “prato feito” do Brasil. Felizmente minha opção foi deliciosamente devorada: um misto de carne cozida com quiabos libaneses e temperos diversos com uma singela porção de arroz. Após chegar o prato feito, como de costume, o garçom perguntou-me sobre bebida e, ávido por uma cerveja, prontamente solicitei a loira gostosa, quando este com uma “cara pouco amistosa” informou-me que se tratava de um restaurante muçulmano e não servia bebidas alcoólicas. Foi só então que dei-me conta que nas mesas ao lado todos estavam a tomar sucos e refrigerantes. Constrangido, pedi desculpas e mergulhei no prato como forma de esconder minha gafe ...

Na semana passada, quando tivemos uma ausência temporária de nossa secretária, aventurei-me em lavar os banheiros, tarefa absolutamente simples se não fosse a total ausência de ralos para esgotos! Não somente no banheiro, mas no inteiro apartamento não temos um ralo sequer. Pena que somente descobri isso depois de ter despejado dois baldes de água e ver aquele dilúvio a invadir a sala e os quartos ... Foi um Deus nos acuda!

Para relaxar segue abaixo fotos que tirei de algumas placas de ruas aqui em Luanda. Algumas delas consta inclusive observações do homenageado. Observem como são elegantes!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Luanda - fotos de um feriado






Aproveitando o feriado internacional do dia do Trabalho, hoje pela manhã resolvi perambular pelos arredores do centro e consegui tirar algumas fotos amadoras que demonstram a semelhança de Luanda com a cidade de Salvador - Bahia.



























Ressalto tomei cuidados em tirar fotos dos prédios públicos, pois as autoridades locais ainda não estão acostumadas com o turismo e algumas chegam a ponto de confiscar a máquina fotográfica, resquícios dos anos de guerra.














































































quarta-feira, 29 de abril de 2009

Desafio docente: aprendendo a dar aulas para turmas numerosas na África

Gostaria de compartilhar uma experiência pedagógica que estou atravessando nesta minha estadia em Angola que, apesar do tempo relativamente curto, tem sido demasiadamente enriquecedora.


Numa das turmas que leciono tenho cerca de 100 alunos no primeiro ano da graduação. Em nosso primeiro encontro, no que deveria ser um momento de ambientação, transformou-se num campo de batalha em pleno ambiente de sala de aula, pois os alunos pareciam completamente desmotivados para cursar uma disciplina ministrada por um professor estrangeiro, que para completar era oriundo de um país que também fora ex-colônia de Portugal!


Iniciei de coração aberto tentando estabelecer o chamado diálogo pedagógico, numa tentativa de postura acolhedora, mas obtive poucos ouvidos atentos. Todos queriam falar ao mesmo tempo e a turma do fundão parecia querer testar meus limites a cada instante, tornando a situação insustentável. Para evitar um fiasco pedagógico total, utilizei-me da autoridade docente (não confundir com autoritarismo) e comecei a costurar de forma enérgica alguns acordos com o grupo, definindo-se inequivocamente o tempo para falar e ficar quieto, a necessidade do respeito à fala do colega e do professor, a utilização de telemóvel (como aqui são chamados os aparelhos celulares) etc. Também gastei tempo mostrando a importância da disciplina para a vida profissional deles, mas não senti muita reciprocidade. Meu tempo acabou e me despedi de todos com uma sensação de que teria muitos problemas à frente.


Durante a semana encontrei alguns alunos pelos corredores da universidade e estes foram muito amáveis ao pedir que fosse paciente com a turma, aproveitei e também solicitei paciência recíproca. Na sala de professores esta turma não tinha as melhores referências ... Estava receoso para as aulas seguintes e preparado para o pior, pois na verdade não sabia que estratégias adotar com um grupo tão numeroso e inquieto.

Contudo, quando na próxima aula iniciei a explanação, o silêncio pairava no ar e a maioria parecia mostrar detida atenção; não tive dúvidas, aproveitei a oportunidade para iniciar uma interação com o enorme grupo, lançando perguntas de retórica e, ao falar andava por toda a sala, buscando aproximar-se dos alunos e dirigindo-me individualmente àqueles sentados na frente (turma do gargarejo), no meio e no fundão da sala, estes últimos que causaram tantos transtornos na aula inicial, sentiram-se um pouco desconfortáveis com tamanha atenção. Percebi bom nível de reciprocidade e participação, enfim conseguira instaurar uma aula participativa que tanto prazer dá ao professor e ao aluno!


Na aula subseqüente, utilizei a mesma estratégia: anotei um breve esquema no quadro e continuei perambulando por toda a sala enquanto falava e questionava, muitos queriam respostas para serem prontamente anotadas e eu simplesmente dizia que não possuía receitas de bolos, pois eles teriam que ir atrás das respostas às indagações. Bingo! Parece que consegui chamar a atenção dos alunos e induzi-los a pensar.


Ao sair da sala, escutei um grupo de alunos comentando entre si que minhas aulas tem sido verdadeiras terapias e de fato estão conseguindo pensar de forma mais crítica e não meramente ouvir um professor monotonamente falar sobre o que considera importante. Fiquei tão feliz em ter ouvido este comentário que resolvi compartilhar, pois afinal não são poucos os professores que se encontram em situações similares com turmas pouco acolhedoras. É deveras um desafio docente! Espero continuar conseguindo manter o mesmo nível de aulas que tive nesta semana.


Em tempo, a coordenação do curso tampouco concorda com turmas tão numerosas e visto que não há espaço físico disponível na instituição para dividir esta turma, concordamos que nos próximos semestres, o número máximo por turma será de 50 alunos. Ufa!

domingo, 26 de abril de 2009

Reflexões sobre atendimento ao cliente

Ao almoçar com um colega brasileiro neste domingo, iniciamos uma discussão sobre o nível de atendimento ao cliente que temos observado em Luanda, pois depois de perambular por 03 restaurantes e finalmente optarmos pelo último, verificamos que os atendentes não eram corteses o suficiente para justificar a escolha. Não é que tenham sido grosseiros ou deseducados, o que ocorria era a ausência de gestos de simpatia e acolhimento visando nos cativar como clientes.


No início de minha vida acadêmica lecionei a disciplina Fundamentos de Marketing em que buscava destacar a importância das empresas atentarem para o atendimento ao cliente, visando antecipar-se às suas necessidades. A literatura disponível sobre o assunto é demasiadamente profícua e certamente não pode ser desapercebida por aqueles que atuam em mercados competitivos. Luis Marins, escritor e requisitado palestrante na temática, adiciona condimentos ao debate ao propor o “encantamento do cliente” e dá algumas técnicas sobre como conseguir isso.

De fato, os profissionais de marketing estão cientes da chamada dissonância cognitiva, isto é, o nível de satisfação que um serviço ou produto é capaz de gerar em função da expectativa do cliente. Dizem os teóricos, que quanto menor for o nível de dissonância cognitiva, maior será a sua satisfação, cabendo às empresas esforçar-se para reduzir este gap visando alcançar padrão de satisfação considerado ideal. Seria isto possível?

A questão é que tanto no Brasil quanto em Angola, os clientes têm sido muito desprezados. As empresas de telefonia no Brasil são campeãs no volume de queixas nos órgãos de defesa do consumidor, isso depois do cliente ter sobrevivido à saga de tentar resolver seu problema através dos precários serviços de atendimento ao cliente, ou call centers, que mereceriam um capítulo à parte nestas considerações.

Nas minhas perambulações pelo mundo tenho observado que esta não é um herança específica dos países colonizados por Portugal, pois notei grosserias em lugares como Argentina, Uruguai, Alemanha, Itália, França e Estados Unidos, somente para se mencionar alguns lugares.

É bem verdade que nesta discussão não se pode ignorar a cultura, nem tampouco o nível de concorrência dos mercados. Como já mencionei em outra postagem, o brasileiro é tido como sensível, pois não suporta palavras mais fortes que lhe soam como uma agressão, principalmente quando está no papel de cliente. O angolano tampouco gosta de ser mal tratado, contudo, parece-me que graças ao longo período de colonização portuguesa caracterizada pela forte repressão do colonizador, juntamente com a atual demanda notoriamente superior à oferta dos principais itens de serviços, as pessoas daqui acabam por tornarem-se subservientes. Isto é uma hipótese e não pode ser generalizada para todo um povo, pois já encontrei pessoas muito conscientes de seus direitos e deveres!

No entanto, não estariam os prestadores de serviços brasileiros enganando seus consumidores fazendo-se crer que são bem atendidos, quando pelas costas empunham-lhes um faca? Talvez em Luanda tais prestadores não precisam utilizar falsas máscaras, pois sabem que os consumidores não terão muitas opções e, cedo ou tarde, certamente voltarão. Aconteceu isso comigo no incidente da compra das batatas doces, quando a senhora dos balaios ambulantes recusou-se a aceitar minha contra-oferta, deu-me as costas e fiquei sem os tubérculos para o café; porém, no dia seguinte paguei prontamente o que ela propunha, sem maiores negociações. Seria esse um exemplo atípico da “mão invisível do mercado “de Adam Smith?

“Nem tanto ao mar nem tanto a terra” diz um ditado brasileiro. Talvez os prestadores de serviços não precisassem ser tão falsamente pegajosos, como observamos em muitas lojas nos grandes centros brasileiros. Por outro lado, o cliente não deveria ser tão desprezado como ocorre em Luanda e em tantos outros lugares do mundo em que inexiste o chamado “sorriso na voz”. Considero a resolução desta equação um dilema e ao mesmo tempo um desafio!